Português Suave.
Protector dos rebanhos, Hermes, o deus do panteão grego clássico era também a divindade encarregue de organizar a comunicação entre os humanos e os deuses. Enquanto mensageiro, tocava-lhe a difícil tarefa de tornar compreensíveis os desejos e as ordens divinas para que não houvesse confusões nos já de si complicados pensamentos da humanidade. Por isso, o verbo grego hemeneuo designa quer o acto de dar a conhecer, indicar, expor…, quer o de interpretar textos, discursos e pensamentos, verdadeiros labirintos que a hermenêutica tem que desbravar para que a verdade dos pensamentos não se enrede demasiado na confusão das palavras e dos sentidos.
Em dez desenhos, Marta Nuness é a mensageira de um pensamento sobre o Português Suave, uma certa expressão paisagística onde a contemplação e a calma dominam, seja nos ambientes dunares de caminhos incertos e vegetação rasteira, algum vento nas ervas, na roupa ou no cabelo de uma rapariga, num cabeço rochoso que serve de miradouro a uma figura humana minúscula, numa colina rapada ao fim do caminho, dois pássaros, na casa vermelha, num solitário farol, entre os pinhais, no cimo de um cabeço, no caminho que serpenteia entre papoilas, no campo raso onde se destaca o perfil de duas escassas árvores contra um céu branco e um sol de brasa.
Este é o vocabulário mínimo dos desenhos a branco e negro onde a cor pontua o dourado da erva seca, as flores, a casa-abrigo, as riscas do farol, o sol.
Habita aqui uma ambiência nostálgica, caminhantes erráticos, manobras de suspensão do tempo e da realidade, um sabor agreste, quase, algum desejo de solidão e de apagamento da algazarra do mundo. Diz-nos a artista que são paisagens baseadas em factos reais. Dizia um fotógrafo engenhoso, Joan Fontcuberta, que a realidade é apenas a parte da ficção que se consegue provar que existe. Está-se a ver que é alguém a quem a ilusão interessa como verdade, memória ou imaginação.
Sejam, então, reais os tais factos; o ofício da desenhadora quis que assim fosse para criar uma base para o seu pensamento em forma de paisagem inscrita no branco do papel que desenha uma moldura, um caminho, o horizonte, o céu. Nós, os que olhamos e que escutamos algumas mensagens de Hermes, basta-nos esta quietude e o olhar mais adentro ou mais ao largo.
Texto gentilmente escrito por Álvaro Domingues